O deputado Jair Montes presidiu na manhã desta segunda-feira (6), no plenário da Assembleia Legislativa, audiência pública que debateu a perda dos pescadores com a construção das hidrelétricas do rio Madeira. Ao final dos trabalhos o parlamentar anunciou que proporá a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as irregularidades e apontar os prejuízos causados à categoria.
A decisão foi tomada principalmente porque, apesar de convidados, não compareceram à audiência os representantes das usinas de Santo Antônio e Jirau, nem o secretário de Estado do Meio Ambiente. A ausência de representantes da Sedam foi criticada pelos pescadores.
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“Com CPI ganhamos poder de polícia e não convidaremos mais. Vamos convocar e chegar naquilo que a usina se comprometeu com os pescadores. Vamos fazer que nem com a Energisa, que hoje está rindo, mas depois vai chorar, pois encaminhamos o caso à Polícia Federal com pedidos de indiciamentos”, anunciou o parlamentar.
O deputado Jair Montes citou, ainda, que as usinas contratam as melhores bancas de advogados e vão protelando o processo. “O que importa é a ganância do dinheiro. Vamos buscar tudo o que foi prometido aos pescadores”, acrescentou.
O parlamentar lembrou que, aos 14 anos, trabalhava como lavador de peixe. “O presidente da Colônia dos Pescadores era Antonio Colares. Tínhamos nosso peixe todo natural. Vinha diversos tipos de peixe misturados nas caixas. Tínhamos uma caixa de geladeira, onde o pescado era colocado. Eu lavava os peixes e ganhava três ou quatro quilos para levar para casa. Convivi com a fartura do peixe”, relembrou.
Pronunciamentos
O presidente da Associação dos Pescadores do Distrito de Abunã, Francisco Bento, afirmou que os empreendimentos prometidos pelas usinas não foram cumpridos. Ele detalhou que a administração da Usina Jirau alega não poder construir sem um terreno documentado.
“Então que ela compre o terreno. O pouco pescado que temos agora não tem durabilidade, o cardume sai no final da invernada, sobe a piracema e acabou. Isso aconteceu por causa da Usina Jirau. Há mais de 8 anos prometem construir o prédio e montar a geleira com todas as compensações que temos direito. Peço perdão por alguma palavra que não foi bem colocada”, disse Francisco Bento.
O deputado Jair Montes avisou que o pescador não precisa pedir desculpas, porque o Estado é que deve pedir perdão à categoria. “É como a empresa Energisa. Depois que entra é difícil tirar. Vocês devem contar tudo o que está acontecendo”, acrescentou o parlamentar.
O administrador do distrito de Abunã, sargento PM Souza Lima, disse que a Usina Jirau só deixou problemas e promessas. Ele contou que já foram feitas duas reuniões com os pescadores e representantes da hidrelétrica, para buscar soluções para os problemas que as usinas causaram, mas obtiveram somente promessas.
Souza Lima explicou ser necessário um local para ancorar aos fundos da vila, onde os pescadores poderão ficar mais próximos de suas casas, mas o lugar foi tomado pelos garimpeiros. Ele disse, ainda, que solicitou um terreno que pertence à Secretaria de Patrimônio da União (SPU), órgão responsável pela demarcação de terras, para fazer um porto e um galpão para os pescadores.
“É um local onde se acumula o lixo. Não há um lugar para ancorar as canoas nem para armazenar os peixes, que está sendo guardado nas casas dos pescadores, em freezers, representando um gasto de até R$ 300 por mês com energia elétrica. O ganho fica para pagar as despesas. Infelizmente a SPU demora para atender, para apreciar os pedidos”, relatou o administrador.
A representante da Fundação Ecoporé, professora da Unir Carolina Dória, explicou que pesquisa a situação dos pescadores desde 1996. Ela afirmou que houve grandes alterações no ambiente aquático após a construção das hidrelétricas, como perda de área de alimentação e de área de migração das espécies.
“Há uma norma dizendo que deveria haver uma compensação, mas isso não aconteceu. Muitos desses peixes são migradores, por isso a dinâmica do meio ambiente deveria ter sido mantida, o que não aconteceu. Na área acima dos reservatórios de Santo Antônio e Jirau houve redução da migração da jatuarana, uma espécie muito importante para a comunidade. A redução da dourada no mercado chegou a 74% após a construção das hidrelétricas”, relatou.
A pesquisadora assegurou que a vida dos pescadores atingidos pelas usinas de Santo Antônio e Jirau mudou completamente. Ela lembrou que representantes dessas empresas dizem que isso não aconteceu, mas há confirmação desses dados.
“Quem faz o monitoramento do que está acontecendo são as empresas. É como se as ovelhas fossem dadas para o lobo cuidar. O controle tinha que ser feito pelos agentes locais”, observou a professora Carolina Dória.
A presidente da Associação de Mulheres do Ramal Maravilha, Maria Cristina Carreli, disse que o Lago Maravilha está sendo poluído, porque houve uma invasão na área. Ela contou que há portos instalados ilegalmente, há ameaças e a Polícia Ambiental não comparece quando solicitada.
“Venho pedir às autoridades que olhem as demandas dos ribeirinhos, que vão conhecer nossa realidade. Pagamos uma energia muito cara. Minha conta vem R$ 800. Não há iluminação pública, não temos segurança e bebemos água contaminada”, solicitou.
O presidente da Associação dos Produtores Rurais do Médio Madeira, Severino dos Santos Nobre, relatou que o rio está assoreado e a cada ano a produção do pescado cai. “Eu sou pescador, mas tive que aposentar a rede. Não há mais como viver da pesca, pois dependemos dos rios e dos lagos. Fico feliz por o deputado Jair Montes ter lembrado da gente, porque geralmente só lembram de nós em projetos políticos”, acrescentou.
O técnico da Divisão de Pesca do Ministério da Agricultura, Ricardo Lopes, citou alguns pescadores históricos. Ele afirmou que as reivindicações são justas. “As hidrelétricas prometeram uma compensação justa aos pescadores. Não é que não tenham feito nada, mas é pouco diante do prometido. Porto Velho tem mais de 40 comunidades de pescadores, portanto há muita gente precisando. Em grandes empreendimentos são gastos bilhões de reais em obras, e centavos em compensações”, citou.
Advogados
O advogado dos pescadores e ribeirinhos, Valnei Cruz, disse que a luta para obter uma compensação justa dura mais de 10 anos e nesse período quase foi processado criminalmente pelas usinas, o que acontece quando se atua com firmeza contra empreendimentos gigantes.
“Os danos causados pelas hidrelétricas são vastos. As empresas não prestavam informações, mas nos registros do Ibama encontramos uma informação, fomos ao cartório e vimos documentos. Falta acesso a esses documentos, pois tudo é muito velado. As usinas contratam bancas de advogados e a cada decisão de juiz é um recurso que vai para Brasília e volta para Porto Velho”, contou.
O advogado Clodoaldo Rodrigues explicou a necessidade de haver continuidade no processo iniciado com a audiência pública. “A maioria das pessoas é analfabeta e não tem conhecimento das leis. Temos que esclarecer de maneira mais simples. Temos pescadores de Nova Mamoré, sendo assistidos pela ação. Chegaram a alegar plágio para desconstituir uma pessoa e a ação dura cinco anos. Se formos atrás de um engenheiro de pesca para fazer um laudo para nós, será difícil, porque quase todos foram contratados por eles”, especificou.
Pescadores
A pescadora Telma Temes da Silva afirmou que muitas pessoas dizem que a Santo Antônio Energia não tem culpa pela enchente de 2014, mas a realidade é outra. Ela mora no distrito de São Carlos há 34 anos, e alegou que a usina é responsável pela enchente.
“Rios se ligaram uns aos outros e muitos peixes morreram. Eu pagava R$ 40 reais de conta de energia e agora passou para R$ 300,00. Eu era cadastrada no Programa Luz para Todos, mas a Energisa exigiu um recadastramento. Precisei ir à Emater para poder me recadastrar, mas o funcionário não estava. Só tivemos prejuízo com a hidrelétrica”, assegurou.
O pescador Everaldo Gonçalves, morador da Vila do Teotônio, disse que a comunidade está cada dia mais isolada, sem linha de ônibus. “A água está invadindo a cada dia e tudo está se perdendo. A fiscalização chega lá e toca fogo nos nossos barracos. Não conseguimos pescar, para trabalhar tenho uma despesa alta e muitas vezes o que conseguimos ganhar não é suficiente para pagar a conta”, contou.
O ex-morador do bairro Triângulo, João Bosco Ramos, afirmou que as hidrelétricas só trouxeram miséria, e agora o Ibama está apreendendo equipamentos dos pescadores.
O pescador Sérgio de Souza Miranda, de 67 anos, disse que toda a vida viveu da pesca, mas agora dificilmente pegar mais de dez quilos de peixe por dia, o que não é suficiente para comprar comida. “O rio está desbarrancando tudo e dizem que é em nome da natureza. Nosso direito está sendo negado”, acrescentou.
Oriosvaldo de Souza agora mora no conjunto Orgulho do Madeira. Ele e a esposa são pescadores, mas precisaram se mudar porque a água invadiu a residência. “Tive que me aposentar por problema de coluna, pois não posso trabalhar em cima de pedras. Preciso saber quando receberemos nossos direitos”, relatou.
Maria Geisa Magalhães Batista disse que precisa de ajuda. Ela contou que não consegue mais trabalhar devido à situação dos barrancos do rio Madeira e tem recebido cestas básicas para sobreviver. O deputado Jair Montes disse que doará 20 cestas básicas para os pescadores que mais precisam, para que eles tenham um Natal melhor.
Maria Eunice explicou que após a construção das usinas houve muita morte de peixe. “Nem podíamos usar a água, porque estava contaminada pelos peixes mortos. Hoje não há como sobreviver da pesca. Não devemos nos calar, porque temos nossos direitos. Os representantes das usinas dizem que isso é coisa que acontece, mas eu digo que nunca tinha acontecido antes”, contou.
Arlindo Vieira Barbosa explicou que perdeu tudo com a enchente de 2014, quando a água invadiu sua casa. “Perdi também um sítio, onde hoje só tem mato, porque a terra não ficou boa depois que a água baixou. Se temos algum direito, peço ao senhor deputado que ajude nossos advogados”, pediu.
Raimunda Torres Gil afirmou que as usinas são uma desgraça, porque acabaram com os rios. “Hoje a fiscalização apreende nosso material de pesca e ameaçam nos bater. Se reclamamos, multam. Tentei pescar para comer, mas mesmo assim me tomaram tudo. Eu disse que iria recorrer e me avisaram que estão teriam que me levar presa”, relatou.
Raimundo do Carmo alegou que não é mais possível trabalhar como pescador, porque está difícil pegar peixe.
Antonio Valdino contou que os pescadores precisam da liberação dos valores devidos à categoria. Ele citou que criou os filhos pescando, mas agora isso seria impossível. “Hoje o peixe é de má qualidade e o preço é alto. Se temos direitos, precisam ser respeitados e pagos. A Santo Antônio Energia não trouxe progresso para Rondônia. Pagamos a energia mais cara do País”, especificou.
A moradora do Ramal Maravilha, Maria Cristina, pediu a adoção de políticas públicas para defender os pescadores. Ela explicou que na enchente de 2014 muitos perderam tudo, e ficou marcado o descaso do poder público com o que aconteceu.
O pescador do bairro Triângulo, Ezequias Gomes, disse que a categoria está apreensiva e a reivindicação é pelos direitos que foram tomados com a construção das usinas. “Tiraram o direito que tínhamos, de levar alimento para os nossos filhos. Estou com o nome sujo no governo por exercer minha profissão. Eu não pesco onde estão as usinas. As usinas é que foram feitas onde eu pescava”, citou.
Texto: Nilton Salina/Antonio Pessoa/ALE-RO
Foto: Thyago Lorentz/ALE-RO
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