Locução comercial exige voz que soe ser “gente como a gente”

Publicidade deixa de lado a impostação e busca algo que passe mensagem com normalidade e gere identificação com o público

Em mais de 30 anos de rádio e de duas décadas de locuções comerciais, Domênico Gatto já gravou para diversos clientes, entre eles Ford, Brahma, Itaú, Sony e Antarctica. Atualmente na 97 FM, ao longo dos anos percebeu uma crescente busca da publicidade por locuções que não pareçam locuções. “Para o ouvinte sentir como se fosse uma pessoa normal falando e não um locutor”, explica.

Sua percepção é acompanhada por estudiosos e outros profissionais da comunicação. Para eles, a locução “tradicional” foi uma ferramenta de convencimento eficiente, por guardar diferenciais de clareza na mensagem, vozes agradáveis, entonação adequada e emissão precisa, mas hoje a preferência é por um tratamento mais real para vender uma ideia. E a “voz de locutor” perde espaço para a que soe “gente como a gente”.

Segundo Marcelo Braga, diretor-superintendente da Rádio Mix, o poder de convencimento de uma mensagem natural é muito maior e esse movimento tem relação com o que ocorre nas redes sociais. À medida que o público se relaciona com influenciadores digitais, por exemplo, veículos tradicionais podem soar até antiquados na forma de impactar a audiência. “O que se espera é a espontaneidade, mais conversa e menos ‘locução’ na mensagem. Esse movimento não é novo, mas está exacerbado pelo crescimento de plataformas que se comunicam de forma coloquial ou natural, alcançando impacto e resultados”, explica.

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Além do tom natural, Braga afirma que a mensagem precisa ser interessante – o “compre porque é legal” não funciona. “O ouvinte não quer ser tratado como uma figura inocente que será convencida à primeira voz bonita que tente seduzi-lo. Ele sabe o que, como e quando quer. Cabe aos veículos e agências encontrarem o caminho e a abordagem ideais.”

Patrícia Rangel, professora do curso de jornalismo da ESPM e especializada em rádio, reforça que o ouvinte sabe que o discurso publicitário é uma estratégia persuasiva, mas hoje ele espera que seja menos forçado e mais real. E esse olhar também seria um reflexo do atual momento do país, em que as pessoas se veem sem referências para confiar. “A busca é por uma voz verdadeira. Quando é uma voz normal, o ouvinte se identifica e a mensagem fica mais próxima do consumidor.”

Além disso, como a voz tem toda a estrutura de som que vai dar emoção àquela peça, há uma série de cuidados para mantê-la literalmente como porta-voz da mensagem. Nesse sentido, um conteúdo bem desenvolvido e separar as vozes no rádio são importantes. Nelson Urssi, professor de direção de arte e multimídia e bacharelado de publicidade e propaganda do Senac, cita a tendência na publicidade de foco em branded content e storytelling e para construção da marca ou do produto. E que isso influencia o mercado como um todo. Para ele, ter várias propagandas com a mesma voz “esvazia a mensagem” e não funciona. “É importante quando se difere a voz do locutor da programação da rádio da própria mensagem publicitária. Cada campo deve assumir o seu papel. Se mistura vozes, mistura as mensagens”, diz.

Itens como assinatura e mote de campanha, por exemplo, ainda precisam da “voz de locutor”, mas o interesse da publicidade na voz natural não deve mudar tão cedo. É o que pensa Pedro Barreto, professor de cursos avançados de interpretação para locutores e jornalistas de rádio e TV. Para o radialista, ator e diretor, essa estética vai durar. “Assim como saímos da ‘era do rádio’, entramos em uma nova linguagem. Não é moda”.

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